Gilmar vota contra transferência de pena estrangeira no caso de Robinho
O Plenário do Supremo Tribunal Federal retomou nesta sexta-feira (15/11) o julgamento de dois pedidos da defesa de Robinho contra a homologação da sentença italiana que condenou o ex-jogador à pena de nove anos.
Robinho foi condenado pela Justiça italiana por estupro. Em março, o Superior Tribunal de Justiça homologou a sentença estrangeira e, com isso, ele foi preso no Brasil.
As solicitações começaram a ser analisadas virtualmente em setembro, quando o relator do caso, ministro Luiz Fux, rejeitou os pedidos de Robinho. Na ocasião, foi seguido pelo ministro Edson Fachin. O caso foi suspenso por pedido de vista feito pelo ministro Gilmar Mendes, que agora abriu divergência.
Em um pedido, Robinho questiona a decisão de Fux que negou o pedido de Habeas Corpus do jogador. No outro, questiona a competência do Superior Tribunal de Justiça no caso.
Ao votar nesta sexta, Gilmar afirmou que o instituto da transferência de execução da pena (TEP) passou a vigorar no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que é de 2017, enquanto os crimes imputados a Robinho são de 2013.
Para Gilmar, a Lei de Migração amplia o poder punitivo do Estado ao permitir que a execução de pena estabelecida em outro país seja concretizada no Brasil mediante decisão homologatória de sentença estrangeira. Com isso, trata-se de norma mais gravosa, que não pode retroagir, a não ser em benefício do réu.
“Sendo assim, convém reconhecer que o comando legal em apreciação, ao permitir a execução de penas proferidas no estrangeiro por meio de mera homologação, representa novatio legis in pejus, cujos rigores não podem retroagir”, disse Gilmar.
Segundo o ministro, a retroatividade de normas relativas à cooperação internacional deve ser aferida caso a caso, para que seja analisado se a situação é de disposição de natureza processual, penal ou híbrida. No caso concreto, entendeu ele, a TEP tem natureza penal e não deve retroagir.
“Entendo que o art. 100 da Lei de Migração representa verdadeira novatio legis in pejus, circunstância que, na hipótese submetida a julgamento, afasta sua aplicação retroativa, a impedir que se acolha o pedido de homologação de sentença penal estrangeira para o fim de permitir a pretendida transferência de execução de pena em desfavor do paciente.”
Gilmar também considerou que nada impede que Robinho seja alvo de investigação, denúncia e condenação pela Justiça brasileira.
“A não incidência do instituto da transferência da execução de pena à espécie ora decidida não gera impunidade alguma, pois nada impede que a lei brasileira venha a alcançar a imputação realizada na Itália contra o paciente. A melhor solução para o caso de que se cuida é permitir que os fatos que renderam ensejo à condenação advinda da Itália sejam objeto de persecução penal pelas instituições brasileiras, mediante aplicação extraterritorial da lei penal brasileira.”
Por fim, ele sustentou que Robinho não poderia ter sido preso imediatamente após a homologação, uma vez que o entendimento da corte é o de que a execução da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão homologatória.
“A jurisprudência do STF entende que a execução penal só deve ocorrer após a condenação penal alcançar contornos definitivos, então não há alternativa possível: é preciso esperar o trânsito em julgado da decisão homologadora para que o acusado possa cumprir a pena que lhe foi imposta.”
Relator
Fux votou em setembro, antes do pedido de vista de Gilmar. Ao rejeitar a solicitação de Robinho, ele argumentou que não houve violação, pelo STJ, de normas constitucionais, legais ou de tratados internacionais a caracterizar coação ilegal ou violência contra a liberdade de locomoção do ex-jogador, nem violação das regras de competência jurisdicional.
Para o ministro, ao homologar a sentença da Itália contra o ex-jogador, o STJ apenas cumpriu a legislação e os acordos firmados pelo Brasil, de forma que a decisão da corte deve ser mantida.
“Ao homologar a sentença estrangeira e, autorizando a transferência da execução da pena, determinar o início de sua execução perante o juízo federal competente, o Superior Tribunal de Justiça, no exercício de sua competência constitucional, deu cumprimento à Constituição e às leis brasileiras, aos acordos firmados pelo Brasil em matéria de cooperação internacional e às normas que regem a matéria.”
O ministro também considerou que a transferência da execução da pena “encontra apoio no princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal” e “guarda harmonia” com o princípio da vedação da dupla persecução penal, previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
“Constata-se a existência de trânsito em julgado da sentença condenatória proferida pela Justiça Italiana contra o paciente Robson de Souza (Robinho), pela prática do crime de estupro, ocorrida no ano de 2022, de modo que não existe violação ao art. 283 do Código de Processo Penal, cujo texto foi declarado constitucional por este Tribunal”, prosseguiu Fux.
“Com efeito, ao permitir que a condenação proferida pela Justiça de outro país, transitada em julgado, seja executada no Brasil, evita-se a necessidade de novo processo e julgamento pelos mesmos fatos”, concluiu ele.
Julgamento no STJ
Em março, a Corte Especial do STJ homologou a sentença estrangeira que condenou Robinho à pena de nove anos de prisão por estupro coletivo cometido na Itália, em 2013.
O colegiado entendeu que os acordos que sustentam os compromissos internacionais entre Brasil e Itália e a entrada em vigor da Lei de Migração, em 2017, permitem que um brasileiro seja obrigado a cumprir no país a pena por uma condenação criminal fixada na nação europeia.
A Corte Especial ainda decidiu, por maioria de votos, que a pena seria imediatamente executada. A homologação da sentença italiana foi proposta pelo relator da matéria, ministro Francisco Falcão, que foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior.
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem a homologação é impossível nesse caso. Votou com ele o ministro Benedito Gonçalves.