PL que recomenda critérios para preventiva viola presunção de inocência
No início de fevereiro deste ano, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) apresentou um Projeto de Lei 10/2024 que propõe quatro circunstâncias em que a prisão em flagrante deve ser convertida em prisão preventiva. No entanto, essa proposta recebeu duras críticas dos especialistas em direito criminal consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, que apontaram, entre outros problemas, a violação do princípio da presunção de inocência.
O texto, que introduz modificações no Código de Processo Penal, foi aprovado neste mês pela Comissão de Segurança Pública do Senado e agora está sendo analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da mesma casa legislativa.
As quatro situações em que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva é recomendada pelo Projeto de Lei são as seguintes: quando existem provas que indicam a prática reiterada de infrações penais pelo acusado, quando a infração penal foi cometida com violência ou grave ameaça contra alguém, quando o acusado já foi liberado em audiência de custódia anterior por outra infração penal, a menos que tenha sido absolvido posteriormente, ou quando o acusado cometeu a infração penal durante a pendência de um inquérito ou ação penal. Na prática, de acordo com os críticos do texto, os acusados podem ser automaticamente mantidos sob custódia antes mesmo de serem julgados.
Fernando Fernandes, mestre em Criminologia e Direito, considera o projeto “inútil e ilegal”. Ele destaca que os fundamentos para a prisão preventiva já estão estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal e podem ser decretados sempre que as medidas alternativas não forem suficientes. Segundo o criminalista, uma lei que recomenda, como essa proposta, é inútil, pois a prisão é necessária quando os requisitos estão presentes ou é ilegal quando não estão.
Para Fernandes, o Projeto de Lei parte de uma ideia falsa de que os juízes soltam os acusados de forma excessiva nas audiências de custódia. Ele enfatiza que os magistrados analisam a necessidade da prisão preventiva e, se não houver, devem libertar o acusado.
Luiza Vasconcelos Oliver, conselheira da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), considera o projeto “casuístico”. Além disso, ela observa que o texto lista situações em que a decretação da prisão é sempre recomendada, o que é extremamente problemático. Segundo ela, isso abre espaço para a imposição automática da prisão em determinados casos.
A advogada explica que a audiência de custódia foi implementada como um mecanismo de proteção ao preso, evitando excessos, abusos e prisões desnecessárias e ilegais. Ela afirma que o projeto de lei deturpa a essência da audiência de custódia, pois incentiva a decretação de prisões preventivas com base em critérios objetivos.
Wellington Arruda, advogado e professor, membro da Comissão Especial de Direito Penal da OAB-SP, considera que a aplicação indiscriminada da prisão preventiva pode ser vista como uma violação dos direitos humanos, especialmente quando não há justificativa concreta e individualizada que sustente a necessidade dessa medida extrema. Arruda argumenta que o Projeto de Lei parece comprometer a análise cuidadosa e individualizada de cada caso, que deveria ser a norma, violando não apenas a garantia da presunção de inocência, mas também o princípio da proporcionalidade. Ele aponta outros problemas, como o possível impacto negativo no sistema penitenciário, com o aumento da população carcerária, e a sobrecarga do sistema judicial.
Na semana passada, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) publicou uma nota de protesto contra o projeto do senador Moro. O documento lembra que a audiência de custódia é um direito garantido a todas as pessoas presas, que devem ser apresentadas a um juiz em até24 horas após a prisão. O IDDD destaca que a proposta de conversão automática da prisão em flagrante em prisão preventiva vai de encontro ao propósito da audiência de custódia, que é justamente garantir a revisão da necessidade da prisão e evitar a sua arbitrariedade.
É importante ressaltar que o projeto de lei ainda está em tramitação e pode sofrer alterações ao longo do processo legislativo. O debate em torno dele envolve diferentes perspectivas e opiniões, levando em consideração os princípios constitucionais, os direitos individuais dos acusados e a eficácia do sistema de justiça criminal. É recomendado acompanhar o desenrolar do processo legislativo para verificar as possíveis alterações e desdobramentos relacionados a esse projeto de lei.
Fonte: Conjur/ Foto: reprodução