Esse contador chamado Estado – Jornal Advogado – Em Mato Grosso
Vamos a um exemplo. O Projeto de Lei do Mato Grosso é o PL nº 26/2024. A progressividade (alíquota varia a depender do patrimônio) já é uma realidade. Quanto maior o patrimônio doado, maior a alíquota do imposto de herança. Isso é uma exigência constitucional vinda da Reforma. O teto atualmente (há proposta para aumento dele) é de 8% sobre o valor do patrimônio. Até aí tudo bem. A aberração: o PL 26/2024 dispõe que caberá à autoridade fiscal, na hipótese de o valor patrimonial não corresponder ao de mercado, em consonância com as normas e boas práticas contábeis aplicáveis à apuração de haveres e à avaliação patrimonial, realizar ajustes. Tamanha subjetividade chega aos pés da loucura.
E o que seriam ajustes? O estado de Mato Grosso poderá promover a reavaliação do patrimônio do contribuinte ou da empresa (quando for doação de quotas, por exemplo), inclusive com avaliação de mercado para aplicar o ITCMD. O estado pode passar a ser uma espécie de contador (economista, administrador, avaliador, analista de mercado…). Inimaginável isso. Sem qualquer fundamento, poderão os fiscais entender que uma fazenda vale um valor qualquer, arbitrado por eles ou que as quotas de uma holding poderão ser avaliadas com base no valor de mercado se seu patrimônio fosse todo vendido (a valor cheio e não o que efetivamente pagariam por ele). O patrimônio líquido, referencial utilizado hoje por muitos dos fiscos estaduais, será menosprezado.
É uma imensa e tortuosa para não dizer inconstitucional (não discutiremos aqui esse mérito) ingerência do Fisco, intervindo na dinâmica empresarial privada e na liberdade econômica. Só cabe ao contribuinte, seja ele quem for, a avaliação do valor justo do seu patrimônio. Os reflexos disso são inúmeros.
Para que um bem seja avaliado a valor justo necessária a oportunidade de venda, o interesse do mercado (incluindo a vontade do vendedor). A transferência, seja por morte ou em vida como adiantamento de herança, fatos geradores do ITCMD, nem de longe se assemelham a uma operação de venda de ativos. Como cobrar imposto sobre um bem a valor de venda se ele não está sendo vendido? O estado sequer entende de compra e venda de empresas e de mercado?
Não é segredo que os estados acham que perderão arrecadação com os moldes que a Reforma trouxe e estão literalmente correndo atrás do prejuízo, mas não pode o contribuinte ficar a mercê do despautério estatal. Principalmente que ele já pagará a conta do aumento geral. O imposto de herança não pode ser a arma a ser usada pelos estados para salvar a sua arrecadação.
Medidas como essa impactam em demasia o meio empresarial quando o assunto são sociedades empresárias, seja porque (i) aguçam os contribuintes a tomar medidas ilegais para escapar das garras do Fisco, simulando situações para evitar o pagamento de imposto; (ii) desestimulam a governança corporativa, longevidade e continuidade dos negócios pelos sucessores, pois que fazer a transferência patrimonial fica ainda mais onerosa e o desestímulo atrapalha a geração de empregos e distribuição de riqueza; (iii) causam a dilação do prazo para encerramento dos inventários, pois o valor sendo infinitamente maior faz com que muitos não tenham recursos suficientes a serem desembolsados para quitação do imposto e os inventários se perpetuarão (o que nos valores de hoje, que não são de mercado, já acontece), o que gerará mais disputas entre herdeiros em um ambiente mais hostil, com perpetuação de conflitos familiares, custo emocional enorme para as famílias, sócios e para a atividade empresária por si só. No caso do agronegócio ou de incorporações ainda pior, pois o valor dos ativos é enorme (estamos falando de milhões) e o imposto correspondente ao valor de mercado é muito vultuoso.
Mais uma vez é o estado prestando um desfavor à sociedade. O lema não pode ser “Arrecadar a qualquer custo”, mas sim “Arrecadar para sustentar o estado de forma sustentável”. Que os legisladores nos ouçam. Amém!
*Daniel Bijos Faidiga é advogado especializado em planejamento patrimonial, nova economia, assuntos digitais e sócio da LBZ Advocacia. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP e Mestre em Direito Constitucional, possui MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, extensão em Direito Internacional em Genebra, em Direito Falimentar pela FGV, em Estratégias de Mentoria Empresarial e Liderança por Harvard. Cursou LL.M. em Direito Societário e Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. É acadêmico de economia e entusiasta de Blockchain e criptoativos.
*Joana Bethonico Braga é advogada e graduada em jornalismo, com pós-graduação em Direito Civil e especialização em Direito Empresarial. Trabalha com planejamento patrimonial e sucessório na LBZ Advocacia.