A propaganda de medicamentos e os limites legais das restrições da Anvisa
Os limites da atuação reguladora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em matéria de propaganda de medicamentos ganharam os holofotes após decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.
Ao julgar o Recurso Especial 2.035.645, a Corte Superior afirmou que a Anvisa extrapolou sua competência ao criar regras sobre propaganda de remédios. No entendimento da Primeira Turma do STJ, a Agência não tem poder normativo para restringir as ações das empresas em matéria de propaganda comercial de fármacos, especialmente quando seus atos regulamentares contrariam as regras estabelecidas na Lei 9.294/1996 e em outros atos legislativos.
O caso foi iniciado pela Aspen Pharma Indústria Farmacêutica Ltda. que questionou judicialmente a validade da RDC 96/08, argumentando que a Anvisa teria extrapolado sua competência regulatória ao impor obrigações não previstas na legislação federal.
De fato, de acordo com o inciso II do artigo 5º da Constituição, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ou seja, uma resolução não pode criar direitos e deveres, mas tão somente regulamentar aquilo que a lei previamente estabeleceu. O dispositivo é fundamento para inúmeras incursões judiciais contra deliberações abusivas de autoridades reguladoras e agentes de vigilância sanitária, por exemplo
Com isso, o Tribunal Superior entendeu que “a Anvisa, com a edição da RDC 96/08, de fato surpreendeu seus destinatários, uma vez que trouxe restrições e proibições, ultrapassando o seu poder de regulação, em ofensa ao art. 220 da Constituição Federal”.
Importante destacar que o referido artigo constitucional garante a liberdade de expressão, tema que ecoa com frequência nos debates país afora, e que foi uma resposta do poder constituinte a censura que era imposta a opositores do regime ditatorial brasileiro. Pois o §4º, do mesmo artigo, trata especificamente sobre o tema de propaganda de medicamentos, estabelece que estará sujeita às restrições impostas por lei e não por ato ou resolução administrativa da Anvisa.
No entanto, há duas décadas sobrevive a RDC 96/2008, que trata sobre a “propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos”, que vai além de meramente regulamentar a lei 9294, de 1996, dedicada ao tema, dando balizas adequada à sua aplicação. E também criou novas obrigações e impôs restrições inéditas, sem qualquer sustentação legal. Assim, o STJ, no julgamento do Recurso Especial, afastou a possibilidade de qualquer punição com base em descumprimento a restrições impostas não por uma lei, mas pela própria Resolução.
É bastante comum observarmos reiteradas ações severas de restrições a propaganda de medicamentos por parte da Anvisa. Há casos em que a Agência determina, de modo unilateral e sem contraditório, que sites ou contas de redes sociais fossem retiradas do ar.
Em outros casos, a Agência aplica multas estratosféricas para supostas propagandas irregulares. Em recente iniciativa, a Anvisa vem se utilizando de robôs para disparar e-mails para inúmeras empresas com ordens para a retirada de páginas virtuais de produtos manipulados do ar, sem qualquer justificativa quanto a suposta irregularidade e sem considerar qualquer possibilidade de defesa.
É uma regra basilar do Direito Administrativo que os órgãos da administração pública somente possam fazer aquilo que a lei determina, não há espaço para a criação marginal de instrumentos para constranger os jurisdicionados em procedimentos espúrios.
Apesar do resultado contrário à Anvisa, a Primeira Turma, de maneira inédita, entendeu necessário abrir um diálogo institucional, comunicando o resultado do julgamento ao Ministério da Saúde e ao Congresso Nacional.
Por fim, espera-se que a jurisprudência avance no sentido de impor às agências reguladoras a atuação dentro dos estritos limites legais previstos na Constituição. De outra forma, o Brasil se tornará “terra sem lei”, com braços abertos à atuação autoritária dos órgãos institucionais.